De quando em vez eu me deparo com uma notícia
especulando sobre a possibilidade de saída da Grécia, Portugal, Irlanda ou
mesmo da Alemanha da Zona do Euro. Quando então me pego pensando qual a
possibilidade real de um país pedir para sair da União Europeia. Isso mesmo,
sair da Zona do Euro implica sair da União Europeia. Claro que é possível permanecer
na União Europeia sem adotar a moeda comum. Mas, então, porque o grupo de dezessete
países optou por abrir mão da soberania nacional em escolher sua taxa de câmbio
e fazer política monetária?
Uma longa história de desvalorizações competitivas
e unilaterais mostrou que o aumento das exportações líquidas era temporário e substituído
pela deterioração da balança comercial dos demais países vizinhos ensejando
retaliações e novas desvalorizações. Processos inflacionários também resultaram
das desvalorizações.
A ausência de coordenação de política econômica,
característica do pós-guerra, produziu resultados indesejados e em 1944
criava-se o Sistema de Bretton Woods, que cristalizava os esforços de um
conjunto de 44 nações em evitar o sistema de desvalorização competitiva.
Na década de 60, o receio de que os Estados Unidos
desvalorizassem o dólar, provocaram um forte fluxo de capitais para a Alemanha,
apreciando fortemente o marco alemão e prejudicando as exportações deste país.
Simultaneamente, um fluxo negativo de capital pressionava a França a
desvalorizar sua moeda. De Gaulle impos controles cambiais para evitar a
desvalorização, enquanto a Alemanha decidia manter a paridade marco-dólar. Mas,
as entradas de capitais implicavam em expansão monetária e pressões
inflacionárias na Alemanha.
Uma Comissão foi criada para estudar a
possibilidade de unificação monetária como forma de evitar os problemas
inerentes à coordenação das políticas monetárias nacionais. Segundo Eichengreen[i],
" o relatório do Comitê Werner, publicado em outubro de 1970,
concluiu que o travamento irrevogável da taxa de câmbio era essencial para a
preservação do Mercado Comum e para a proteção da Europa contra impulsos de
desestabilização cambial oriundos dos Estados Unidos, propondo, para tanto, um
sistema de bancos centrais em âmbito europeu, semelhante ao Federal Reserve
System e enfatizando a necessidade de se coordenarem os orçamentos nacionais
dos países participantes da União monetária".
Mas, em março de 1973 "já não havia dúvida de
que os Estados Unidos estavam a ponto de abandonar todas as pretensões de
estabilizar o dólar" (Eichengreen, p.77) e, em agosto de 1973 o governo
americano anunciou a suspensão da conversão de dólares em ouro seguido de uma
desvalorização de aproximadamente 7,9%. Um acordo levou a Alemanha a ampliar a
desvalorização do dólar em mais de 7,9% para evitar que países com economias
mais frágeis pudessem valorizar menos suas moedas. Antes que isso ocorresse, a
defesa da paridade acordada em Bretton Woods levou a Alemanha e os Países
Baixos a comprar enormes quantidades de dólar. Estava claro que as variações
acordadas em Bretton Woods eram insuficientes e bandas mais amplas foram
negociadas: em lugar de 1%, agora era possível uma oscilação de 2,25% da taxa
de cambio. Mas, a ampliação da oscilação em torno do dólar criava problemas no
interior da Europa uma vez que ampliava as oscilações monetárias entre os
países do Mercado Comum Europeu e comprometia a Política Agrícola Comum. Como
resultado, "os países do bloco concordaram em manter suas taxas de cambio
bilaterais em faixas mais estreitas" o que ampliava a cooperação monetária
entre os países do bloco.
Mas, as tensões monetárias entre os países do bloco
não diminuíram e, em 1978, um Comitê propunha retomar um novo conjunto de bandas cambiais
definidas em relação a uma cesta de moedas. Criava-se o Sistema Monetário Europeu e uma
sequencia de alinhamentos cambiais se arrastou pela década de 80 como resultado
do esforço de consolidação do Mercado Comum.
Para melhor compreender a necessidade de
Coordenação das ações dos Bancos Centrais para alinhar taxas de Cambio, a
necessidade de ajustar a política fiscal de forma a garantir flexibilidade
monetária e a relação entre a política fiscal, monetária, cambial e a
integração econômica dos países do bloco europeu, recomendo ler o livro de
Eichengreen referenciado neste texto.
Voltemos à pergunta inicial: porque o grupo de dezessete
países optou por abrir mão da soberania nacional em escolher sua taxa de câmbio
e fazer política monetária? O pós-guerra exigiu cooperação para a construção
da paz e esforços locais para a promoção do crescimento econômico e geração de
empregos Para unificar seus mercados e formar um bloco econômico foi necessário
eliminar barreiras entre as diferentes economias. A união tarifária impôs limites à política
fiscal. Os limites à política fiscal definiram limites à política monetária e
esta estabeleceu limites à política cambial. A unificação pela paz implicava em
sacrifícios em termos de interesses locais e de soberania nacional. Um delicado
equilíbrio foi tecido ao longo de décadas.
A reunificação econômica e monetária da Alemanha
reacendeu o temor pela paz e alimentou o esforço de unificação criando a moeda
única.
O Euro e o Banco Central Europeu coroam o esforço
de cooperação e seus contornos foram forjados pela história. É esta história
que também explica por que Grécia, Portugal e Espanha, entre outros, abriram
mão de sua soberania em escolher sua taxa de cambio (cuja escolha já não era
tão soberana). É esta história que me faz pensar que imaginar que a Grécia
solicite sua saída do bloco é, no mínimo, simplista.
[i]EICHENGREEN, Barry. PRIVILÉGIO
EXORBITANTE: A ASCENSÃO E A QUEDA DO DOLAR E O FUTURO DO
SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL. Rio De Janeiro: Campus, 2012.