sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Por que uma moeda única?

De quando em vez eu me deparo com uma notícia especulando sobre a possibilidade de saída da Grécia, Portugal, Irlanda ou mesmo da Alemanha da Zona do Euro. Quando então me pego pensando qual a possibilidade real de um país pedir para sair da União Europeia. Isso mesmo, sair da Zona do Euro implica sair da União Europeia. Claro que é possível permanecer na União Europeia sem adotar a moeda comum. Mas, então, porque o grupo de dezessete países optou por abrir mão da soberania nacional em escolher sua taxa de câmbio e fazer política monetária? 
Uma longa história de desvalorizações competitivas e unilaterais mostrou que o aumento das exportações líquidas era temporário e substituído pela deterioração da balança comercial dos demais países vizinhos ensejando retaliações e novas desvalorizações. Processos inflacionários também resultaram das desvalorizações. 
A ausência de coordenação de política econômica, característica do pós-guerra, produziu resultados indesejados e em 1944 criava-se o Sistema de Bretton Woods, que cristalizava os esforços de um conjunto de 44 nações em evitar o sistema de desvalorização competitiva. 
Na década de 60, o receio de que os Estados Unidos desvalorizassem o dólar, provocaram um forte fluxo de capitais para a Alemanha, apreciando fortemente o marco alemão e prejudicando as exportações deste país. Simultaneamente, um fluxo negativo de capital pressionava a França a desvalorizar sua moeda. De Gaulle impos controles cambiais para evitar a desvalorização, enquanto a Alemanha decidia manter a paridade marco-dólar. Mas, as entradas de capitais implicavam em expansão monetária e pressões inflacionárias na Alemanha.
Uma Comissão foi criada para estudar a possibilidade de unificação monetária como forma de evitar os problemas inerentes à coordenação das políticas monetárias nacionais. Segundo Eichengreen[i], " o relatório do Comitê Werner, publicado em outubro de 1970, concluiu que o travamento irrevogável da taxa de câmbio era essencial para a preservação do Mercado Comum e para a proteção da Europa contra impulsos de desestabilização cambial oriundos dos Estados Unidos, propondo, para tanto, um sistema de bancos centrais em âmbito europeu, semelhante ao Federal Reserve System e enfatizando a necessidade de se coordenarem os orçamentos nacionais dos países participantes da União monetária".
Mas, em março de 1973 "já não havia dúvida de que os Estados Unidos estavam a ponto de abandonar todas as pretensões de estabilizar o dólar" (Eichengreen, p.77) e, em agosto de 1973 o governo americano anunciou a suspensão da conversão de dólares em ouro seguido de uma desvalorização de aproximadamente 7,9%. Um acordo levou a Alemanha a ampliar a desvalorização do dólar em mais de 7,9% para evitar que países com economias mais frágeis pudessem valorizar menos suas moedas. Antes que isso ocorresse, a defesa da paridade acordada em Bretton Woods levou a Alemanha e os Países Baixos a comprar enormes quantidades de dólar. Estava claro que as variações acordadas em Bretton Woods eram insuficientes e bandas mais amplas foram negociadas: em lugar de 1%, agora era possível uma oscilação de 2,25% da taxa de cambio. Mas, a ampliação da oscilação em torno do dólar criava problemas no interior da Europa uma vez que ampliava as oscilações monetárias entre os países do Mercado Comum Europeu e comprometia a Política Agrícola Comum. Como resultado, "os países do bloco concordaram em manter suas taxas de cambio bilaterais em faixas mais estreitas" o que ampliava a cooperação monetária entre os países do bloco.
Mas, as tensões monetárias entre os países do bloco não diminuíram e, em 1978, um Comitê propunha  retomar um novo conjunto de bandas cambiais definidas em relação a uma cesta de moedas.  Criava-se o Sistema Monetário Europeu e uma sequencia de alinhamentos cambiais se arrastou pela década de 80 como resultado do esforço de consolidação do Mercado Comum.
Para melhor compreender a necessidade de Coordenação das ações dos Bancos Centrais para alinhar taxas de Cambio, a necessidade de ajustar a política fiscal de forma a garantir flexibilidade monetária e a relação entre a política fiscal, monetária, cambial e a integração econômica dos países do bloco europeu, recomendo ler o livro de Eichengreen referenciado neste texto.
Voltemos à pergunta inicial: porque o grupo de dezessete países optou por abrir mão da soberania nacional em escolher sua taxa de câmbio e fazer política monetária?  O pós-guerra exigiu cooperação para a construção da paz e esforços locais para a promoção do crescimento econômico e geração de empregos Para unificar seus mercados e formar um bloco econômico foi necessário eliminar barreiras entre as diferentes economias.  A união tarifária impôs limites à política fiscal. Os limites à política fiscal definiram limites à política monetária e esta estabeleceu limites à política cambial. A unificação pela paz implicava em sacrifícios em termos de interesses locais e de soberania nacional. Um delicado equilíbrio foi tecido ao longo de décadas.
A reunificação econômica e monetária da Alemanha reacendeu o temor pela paz e alimentou o esforço de unificação criando a moeda única.
O Euro e o Banco Central Europeu coroam o esforço de cooperação e seus contornos foram forjados pela história. É esta história que também explica por que Grécia, Portugal e Espanha, entre outros, abriram mão de sua soberania em escolher sua taxa de cambio (cuja escolha já não era tão soberana). É esta história que me faz pensar que imaginar que a Grécia solicite sua saída do bloco é, no mínimo, simplista.
 


[i]EICHENGREEN, Barry. PRIVILÉGIO EXORBITANTE: A ASCENSÃO E A QUEDA DO DOLAR E O FUTURO DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL. Rio De Janeiro: Campus, 2012.

5 comentários:

  1. Consumir mais recursos do que se é capaz de produzir, em prol de benefícios temporários e direcionados demagogicamente talvez seja a pior forma de política.
    Basicamente porque empurra essa conta a pagar para as gerações futuras, assim na Grécia, como em outros países.
    A solução simplista de apenas sair do bloco, não resolve nada, só adia a prestação e a torna maior.

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    1. De fato Mário! Mas, a dívida pública nem sempre resulta de consumo superior à produção. Ela tem outras funções:
      1)Financiar o déficit público
      2)Propiciar instrumentos adequados à realização da política monetária (caso específico da dívida interna)
      3)Criar referencial de longo prazo para o financiamento do setor privado
      4)Propiciar a alocação de recursos entre gerações

      Assim, se torna importante reconhecer o momento em que a dívida evolui enquanto participação do PIB comprometendo sua "rolagem"!!!!! Sair do bloco, aparentemente, não resolve mesmo nada do ponto de vista econômico....Mas, orgulho e valores nacionais podem se sobrepor às questões econômicas, ou não?

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  2. Cara Cristina Helena,

    de fato as motivações políticas foram/são muito fortes da união monetária. O problema é quando os fundamentos econômico não acompanham o desejo político.

    Aquilo tudo que já se sabe desde 1961 com Robert Mundell, me faz pensar como uma união monetária que não apresenta nenhum dos requisitos pode continuar. Não há mobilidade (de facto) do trabalho. Não há união fiscal, nem mecanismos de transferências. Não há uma supervisão bancária unificada (embora tenham trabalhado para corrigir esta última).

    Choques assimétricos não podem ser acomodados em uma união monetária dessa forma. Obviamente, achar que um país irá solicitar a sua saída do bloco é, como você bem colocou, demasiadamente simplista. O problema é se situação se agravar ao ponto de que a saída não seja "mais uma" opção, e sim a "única" opção.

    Como eu coloquei aqui:

    http://econapproach.blogspot.pt/2012/09/if-music-stops.html

    "I want to believe that the euro will survive, but the fundamentals and the economic theory has this habit of keeping me thinking it won’t. There’s just too much to be fixed and too little (de facto) willingness for it."

    Muito bom o texto.
    João Ricardo

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    1. João, Você crê mesmo que a União Monetária não atende a nenhum dos requisitos para continuar? Não há mesmo ou, como você diz, de facto, mobilidade do trabalho. Não há união fiscal e os mecanismos de transferência não existem por escolha (Pacto de Lisboa) e a supervisão bancária está a caminho. Eu diria mais...até pouco tempo não havia unicidade estatística! O Eurostat apenas coletava dados não interferindo na forma ou padronização das estimativas....
      Apesar disso, a união monetária protege a política agrícola (tão cara aos países da União Européia)... esse é, para mim, O ponto!
      Do meu ponto de vista, não se trata apenas da sobrevivência do Euro. Entendo que se trate de reflexos de uma arquitetura financeira internacional que já não acomoda interesses nacionais diversos (incluindo aqui China, Japão, América Latina, etc.). Adorei seu texto! Se você me autorizar, gostaria de postar um link neste blog!

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    2. Cara Cristina Helena,

      eu realmente acredito que do jeito que foi arquitetada a zona do euro não apresenta os fundamentos de uma união monetária "ótima". Curiosamente, tanto os defensores do euro, como aqueles que eram contra se baseavam no mesmo paper do Robert Mundell. As divergências se davam na "causalidade". Quem defendia a moeda única entendia que, uma vez implementada, serviria de estímulo para as demais reformas (e.g. fiscal, no mercado de trabalho, etc..).

      Quanto à política agrícola da UE, eu confesso que sei muito pouco. Mas algo me incomoda. Em uma suposta área de livre comércio, acho que eles possuem cotas de mais e não deixam que as vantagens comparativas beneficiem os consumidores e as empresas. As relações geopolíticas têm determinado "ganhadores" e "perdedores" antes mesmo das relações econômicas (e.g. Portugal poderia se beneficiar mais da pesca, mas "esbarra" em limites questionáveis). Enfim, como disse, não sei muito, apenas arrisco alguns palpites.

      Apenas para deixar claro, eu respeito (muito) a Zona do Euro como um projeto político em um continente marcado por guerras, só acho que i) a união monetária foi prematura, ii) o "timing" político atrapalha qualquer solução e iii) o que tem sido feito em geral objetiva ganhar tempo (com excessão do último programa de compras do ECB, que diminui o risco de convertibilidade).

      Fique à vontade para postar links para os meus textos, mesmo que for para criticá-los! Afinal, acho que isso é ciência e a discussão é sempre benéfica! (afinal, nos meus tempos de ESPM não tive a oportunidade de aprender economia com você, então quem sabe agora...rsss).

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